Artigo originalmente publicado em Project Sindycate, disponível em 10 idiomas.
BERLIM – Enquanto o mundo se esforça para controlar as emissões de gases com efeito de estufa e limitar o aquecimento planetário, uma nova bala de prata tecnológica está a ganhar adeptos. A geoengenharia – a manipulação em larga escala dos sistemas naturais da Terra – foi popularizada como meio de neutralizar os efeitos negativos das alterações climáticas.
Os defensores desta ciência alimentam a ilusão de que existe forma de engendrar uma saída da crise climática, cumprir os objetivos do acordo climático de Paris de 2015 e manter um estilo de vida pesado.
No entanto, esta solução não é tão simples como os defensores desta ciência nos querem fazer crer. A aposta na engenharia climática – seja como uma apólice de seguro para o planeta ou como uma medida de último recurso para combater o aumento das temperaturas - não só é arriscada, como também afasta a atenção da única solução que sabemos que irá funcionar: a redução das emissões de carbono.
Cada uma das tecnologias de engenharia em debate acarretam perigos e incertezas. Por exemplo, a única maneira de testar a eficácia da gestão da radiação solar (GRS) numa escala mundial seria através da realização de experiências no ambiente – pulverização de partículas na estratosfera ou modificação artificial das nuvens. Embora tais testes fossem concebidos para determinar se a GRS poderia refletir um nível suficiente de luz solar para arrefecer o planeta, a experiência em si poderia causar danos irreversíveis. Os modelos atuais prevêem que a implantação da GRS iria alterar os padrões globais de precipitação, prejudicar a camada de ozônio e comprometer os meios de subsistência de milhões de pessoas.
Para além dos riscos ecológicos, os críticos alertam para o fato de a GRS poder gerar armas potentes após a sua implantação a nível mundial, conferindo aos Estados, empresas ou indivíduos a capacidade de manipular o clima para obter benefícios estratégicos (uma ideia à qual nem Hollywood consegue resistir). Contudo, talvez a crítica mais importante seja de natureza política: num mundo em que o multilateralismo é desafiado, como seriam administradas as intervenções ecológicas mundiais?
Perguntas semelhantes são suscitadas em torno de outro grande grupo de tecnologias de engenharia climática em debate – a designada eliminação do dióxido de carbono (EDC). Os defensores destas tecnologias propõem a eliminação do CO2 da atmosfera e o seu armazenamento no subsolo ou nos oceanos. Algumas abordagens no âmbito da EDC já foram proibidas, devido a preocupações com possíveis consequências ambientais. Por exemplo, a fertilização dos oceanos com plâncton susceptível de fixar o carbono foi proibida em 2008 pelo Protocolo de Londres relativo à poluição marinha. As partes envolvidas nesta decisão estavam preocupados com os potenciais danos para a vida marinha.
No entanto, outras abordagens em matéria de EDC estão a ganhar apoio. Uma das ideias mais debatidas visa a integração da biomassa com técnicas de captura e armazenamento de carbono (CCS). Designado por “bioenergia com CCS” ou BECCS, este método procura unir as capacidades de absorção de CO2 das plantas de crescimento rápido com métodos de armazenamento subterrâneo de CO2. Os defensores do método argumentam que o BECCS produziria efetivamente emissões “negativas”.
No entanto, à semelhança do que acontece com outras soluções de engenharia, as promessas são boas demais para ser verdade. Por exemplo, seriam necessárias grandes quantidades de energia, água e de fertilizantes para fazer funcionar adequadamente os sistemas BECCS. Os efeitos sobre o uso dos solos resultariam provavelmente na perda de espécies terrestres, bem como no aumento da disputa pelos solos e na deslocação das populações locais. Algumas previsões sugerem que as atividades de desbravamento de terrenos e de construção associadas a estes projetos poderiam levar a um aumento líquido das emissões de gases com efeito de estufa, pelo menos a curto prazo.
Além disso coloca-se a questão da escala. Para que o BECCS alcançasse os limites de emissões estabelecidos pelo acordo de Paris, seriam necessários entre 430 milhões e 580 milhões de hectares (entre 1,1 mil milhões e 1,4 mil milhões de acres) de terras para cultivar a vegetação necessária. Isto representa um terço da terra arável do mundo.
Simplificando, existem formas mais seguras e comprovadas de eliminar o CO2 da atmosfera. em vez de criar explorações artificiais de fixação de CO2, os governos deveriam concentrar-se na proteção dos ecossistemas naturais já existentes e permitir a recuperação dos ecossistemas degradados. As florestas tropicais, os oceanos e as turfeiras (como os pântanos) possuem uma imensa capacidade de armazenamento de CO2 e não necessitam de manipulação tecnológica não testada.
Ao apresentarem tecnologias hipotéticas como cura para todos os males responsáveis pelas alterações climáticas, os seus defensores estão a sugerir que o mundo se vê confrontado com uma escolha inevitável: a geoengenharia ou a catástrofe. Mas isto não é verdade. São as preferências políticas, e não a necessidade científica ou ecológica, que explicam o entusiasmo pela geoengenharia.
Infelizmente, os debates atuais sobre engenharia climática são antidemocráticos e dominados por visões mundiais tecnocráticas, perspectivas das ciências naturais e da engenharia e interesses instituídos nas indústrias dos combustíveis fósseis. Os países em desenvolvimento, os povos indígenas e as comunidades locais devem ser chamados a pronunciar-se, de modo que todos os riscos possam ser totalmente considerados antes do ensaio ou implementação de qualquer tecnologia de geoengenharia.
Assim sendo, que debate devemos manter em matéria de geoengenharia?
Para começar, é necessário repensar a panorâmica de governança existente. Em 2010, as partes na Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica (CDB) concordaram com uma moratória internacional de fato sobre a geoengenharia relacionada com o clima. Atualmente, contudo, com defensores poderosos a exercerem tanta pressão para fazer sair do laboratório as tecnologias de geoengenharia, as proibições informais já não são suficientes. O mundo necessita urgentemente de um debate honesto sobre a investigação, a implementação e a governança associadas a estas tecnologias; A CBD e o Protocolo de Londres são pontos de partida fundamentais para estes debates sobre governança.
Entre as tecnologias que exigem maior prudência encontram-se os projetos de EDC que ameaçam as terras indígenas, a segurança alimentar e a disponibilidade de água. Estes esquemas tecnológicos de grande escala devem ser regulamentados de forma diligente, para garantir que as soluções para as alterações climáticas não afetam negativamente o desenvolvimento sustentável ou os direitos humanos.
Além disso, os testes ao ar livre e a implantação de tecnologias de GRS devem ser banidos de forma definitiva tendo em conta o seu potencial para prejudicar os direitos humanos, a democracia e a paz internacional. Esta proibição deve ser supervisionada por um sólido e responsável mecanismo de governança global multilateral.
Ainda não foi encontrada nenhuma bala de prata para as alterações climáticas. Além disso, embora as tecnologias de geoengenharia continuem a ser sobretudo uma ambição, existem opções de mitigação reconhecidas que podem e devem ser ativamente implementadas: o desenvolvimento das energias renováveis, a eliminação gradual dos combustíveis fósseis (incluindo o encerramento antecipado das infra-estruturas fósseis existentes), o recurso alargado à agricultura agro-ecológica sustentável e o aumento das energias e dos recursos utilizados na nossa economia.
Não podemos dar-nos ao luxo de brincar com o futuro do nosso planeta. Se promovermos debates sérios sobre medidas ecologicamente sustentáveis e socialmente justas para proteger o clima da Terra, não haverá necessidade de lançar os dados da geoengenharia.